As línguas são dinâmicas, em constante mudança. Portanto, é preciso atualizar normas e dicionários.
Quando as novas normas precisam de acordo
A labor normativizadora na língua portuguesa complica-se a partir da década de 1820, quando o Brasil independentiza-se do Império português. Naquele momento passa-se de haver um único país com português como língua oficial a haver dois. Quando Portugal faz uma Reforma Ortográfica em 1911, os dois países passam a ter diferente ortografia. A partir de então, para atingir uma normativa unificada no português são precisos os acordos.
O primeiro acordo ortográfico
O primeiro acordo ortográfico entre Portugal e o Brasil realiza-se em 1931. Este primeiro acordo não é completo: chegada a hora de aplica-lo, na década de 1940, Portugal e Brasil publicam vocabulários com algumas diferenças. Em 1945, os dois países promulgam o acordo:
- Portugal, no Decreto 35 228.
- Brasil, no Decreto-Lei 8 236; mas o seu Congresso Nacional revoga-o em 1955 na Lei 2 623. Então, Brasil toma como referência o vocabulário do seu Formulário ortográfico de 1943, baseado no acordo de 1931 mas diferente do português.
O segundo acordo ortográfico
O segundo acordo ortográfico entre Portugal e o Brasil realiza-se em 1971. O Brasil promulga-o na Lei Federal 5.765 do mesmo ano; Portugal, no Decreto-Lei 32/32 do ano 1973.
Os acordos ortográficos viram multi-laterais
Em meados da década de 1970 da-se finalmente a descolonização do Império português, de maneira que o número de países com português como língua oficial aumenta em meia dúzia. Portanto, a partir de então os acordos têm de ser multi-laterais.
Terceiro acordo ortográfico
É assim que chegamos ao Acordo Ortográfico de 1990, o acordo de mais longo parto.
Em realidade, Portugal e Brasil estão trabalhando no assunto já desde 1973, e realizam um acordo em 1975; mas fica sem efeito. Mais adiante, uma primeira tentativa multi-lateral realizada em 1986 fracassa.
Afinal, chega-se a um novo acordo, assinado o 16 de dezembro de 1990 por delegações de sete países lusófonos (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe) mais uma delegação observadora (Galiza). A partir de então, começa o longo processo para ratifica-lo.
Primeira etapa: Para entrar em vigor, o Acordo precisa de ratificação por parte dos sete países antes da data limite do 31 de dezembro de 1993, mas é só Portugal que o ratifica, em julho de 1991.
Segunda etapa: Ultrapassada a data limite sem as sete ratificações, o Acordo não pode entrar em vigor e fica bloqueado. Contudo, Brasil ratifica o Acordo em abril de 1995.
Terceira etapa: O 17 de julho de 1998 assina-se o Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que retira a data limite. Portanto, o Acordo fica desbloqueado e pode entrar em vigor desde que Portugal e o Brasil ratifiquem o Protocolo e os cinco países restantes ratifiquem o Acordo e o Protocolo; mas nenhum país ratifica nada.
Quarta etapa: O 25 de Julho de 2004 assina-se o Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, que além de permitir unir-se ao Acordo a Timor-Leste, estabelece que para que o Acordo entrar em vigor só é preciso que três países ratifiquem o Acordo e o Segundo Protocolo Modificativo. Brasil, que já tinha ratificado o Acordo, ratifica o Segundo Protocolo Modificativo em outubro de 2004. Cabo Verde ratifica tudo em abril de 2005, e São Tomé e Príncipe também em novembro de 2006. O Acordo vai entrar em vigor finalmente… na teoria.
Quinta etapa: Ainda que o Segundo Protocolo Modificativo estabelece exatamente quando é que o Acordo entra em vigor, “no primeiro dia do mês seguinte à data em que três Estados membros…”, os três países que o ratificaram decidem que ainda não entra em vigor. Depois de 16 anos a esperar, estes países acham que têm de aguardar por algum país mais, nomeadamente Portugal. Afinal, Portugal ratifica o Segundo Protocolo Modificativo em maio de 2008.
Sexta etapa: Como a norma que determinava o entrada em vigor do Acordo foi ignorada para esperar por Portugal, perdeu o seu efeito e cada país passa a estabelecer uma nova data de maneira arbitrária. Ao longo de 2009, o Acordo vai sendo declarado em vigor em Brasil, Cabo Verde e Portugal. Afinal, chegou! Com respeito ao resto dos países, com o decorrer do tempo todos ratificam o Acordo (exceto Angola), mas nenhum declara a entrada em vigor; se calhar o dão por feito.
Sétima etapa: Mas como? Ainda não concluímos? Pois não. Os países que declararam o Acordo em vigor estabeleceram um período de transição: Cabo Verde até o 1 de outubro (de 2015 no mínimo e 2019 no máximo), Portugal até o 13 de maio de 2015, e Brasil até o 31 de dezembro de 2012… exceto que no último momento adiou-lo para o o 31 dezembro de 2015.
Ligações sobre o Acordo Ortográfico de 1990:
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Porquê é que eu não gosto do Acordo ortográfico de 1990
A verdade tem de ir por diante. A minha opinião não tem de ser a do comum da gente. Esta é a opinião duma pessoa que é profissional da tecnologia, e que é da Galiza.
Por ser profissional tecnológico estou acostumado à exatidão. Os standards são para mim leitura habitual. A regras têm de ser exatas. A incerteza é a pior inimiga.
Por ser da Galiza falo as duas línguas cooficiais, o galego e o espanhol. E as duas línguas têm uma característica especial: a sua pronúncia é unívoca conhecendo as regras. Eu posso inventar uma palavra agora mesmo, por exemplo aqueguitor, e todos os falantes de galego a quem pergunte -embora seja a primeira vez que vejam esta palavra- pronunciá-la-ão exatamente igual. Com o espanhol, a mesma coisa acontece.
Como compadeço aos falantes do inglês! Quando um falante de inglês lê por primeira vez uma palavra, não sabe como é a sua pronúncia. Não há regras de pronúncia em inglês. É possível que seja uma palavra do latim, ou do saxão, ou do francês, ou do gaélico, e segundo a sua origem a pronúncia é diferente. O infeliz falante do inglês tem de perguntar aos seus compatriotas… please, can you tell how this word is pronounced?
Com a eliminação do trema, no português começa a acontecer a mesma coisa. Porquê vai ser diferente a pronúncia do qu em quinze e cinquenta? E a do gu em guitarra e arguido? Além disso, a eliminação dos grupos cultos elimina também a referência para conhecer a pronúncia da vogal imediatamente anterior. Em Portugal e outros territórios da Lusofonia, a grafia tecto informava aos falantes se a e era semi-fechada ou não; com a grafia teto não se sabe. Para remate, o acordo deixa indefinidos quais grupos cultos eliminam-se e quais não. A pessoa que aprende português tem de perguntar aos seus compatriotas cultos… favor de me dizer como é a pronúncia desta palavra?
O Acordo ortográfico de 1990 não reduz a incerteza na pronúncia do português, senão que alarga-a; e por isso é que eu não gosto dele.
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meu sobrenome é pinto
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