Cinema e literatura: O projeto Trezes

O que é o projeto Trezes

O projeto Trezes é um projeto de Marginal Filmes para a Rádio Televisão de Portugal (RTP), com a ideia de que 13 realizadores portugueses adaptem ao ecrã 13 contos de 13 autores portugueses. Mas a sua data de estreia prevista é fatídica: 2020. Assim, o projeto fica reduzido a somente 11 audiovisuais, feitos em cor:

Para cada um destes 11 telefilmes, o blogue de Estudamos Português publica a ficha com os seus dados; e além disso, nos comentários acham-se dicas do telefilme.

Os criadores do projeto Trezes

Embora os autores, os realizadores e os atores sejam diferentes nos 11 telefilmes, o projeto tem um núcleo comum, no que o centro o ocupam a parelha José Carlos de Oliveira e Ricardo Pugschitz de Oliveira. Estes dois artesãos produzem todos os telefilmes, compõem todas as bandas sonoras, e também participam na edição, junto com Vasco Cruz, Miguel Mestre, Tiago P. de Carvalho, Leandro Ferreira e Paulo MilHomens. Além disso, José Carlos de Oliveira encarrega-se da realização do telefilme mais longo.

A seleção do elenco está sempre nas mãos de Patrícia Vasconcelos.

A cinematografia está feita por Manuel Pinto Barros (5 telefilmes), Pedro Azevedo (2 telefilmes), Hugo Azevedo (2 telefilmes), Tony Costa (1 telefilme) e Guilherme Daniel (1 telefilme).

A direção artística está nas mãos de Rui Alves e Pedro Soares (6 telefilmes o primeiro, 2 o segundo, e 1 entre os dois), e ademais Nuno Mello (2 telefilmes).

O desenho de vestuário está nas mãos de Flávio Tomé (7 telefilmes), Tânia Franco (3 telefilmes) e Ana Carolina Lopes (1 telefilme).

Cinema e literatura

Este projeto oferece-nos uma oportunidade de refletir sobre cinema e literatura que é demasiado boa para a deixar passar.

A primeira reflexão é que nos créditos dos telefilmes achamos um conceito esquisito do que encarrega-se José Carlos de Oliveira: Doctoring. Não é fácil saber o que é, porque nem sequer nos filmes de Hollywood acha-se coisa semelhante, e nos dicionários de inglês define-se como alterar uma coisa com má intenção, mas supomos que a intenção de José Carlos de Oliveira quando arranhou o inglês era referir o trabalho de orientar a adaptação das obras literárias.

A segunda reflexão é que apenas em duas das onze histórias a extensão da obra original é adequada para a duração pretendida (Miss Beijo, O Sítio da Mulher Morta); nas outras nove os contos são curtos de mais para encher a duração pretendida, e os guionistas têm de acrescentar cenas adicionais. Esta eleição de histórias não pode ser casualidade: nunca é preciso reduzir, sempre é preciso insuflar.

A terceira reflexão é que o desafio de alargar as histórias é enfrentado de maneira diferente segundo o género:

  • Nas histórias dramáticas: acrescentando mais cenas dramáticas, com bom resultado (Fronteira, O Rapaz do Tambor, A Abóbada).
  • Nas histórias de intriga: acrescentando mais uma camada de intriga, com bom resultado (O Tesouro, Um Jantar Muito Original).
  • Nas histórias cômicas: acrescentando mais cenas dramáticas, com mau resultado (A Morte do Super-Homem, Uma Vida Toda Empatada).
  • Nas histórias fantásticas, acrescentando mais cenas dramáticas, com péssimo resultado (As Cinzas da Mãe, A Pereira da Tia Miséria).

Semelha que o procedimento habitual é acrescentar cenas dramáticas… mesmo nas comédias!

A principal culpável deste delito é Marta Pais Lopes, que adapta dois contos mudando o seu género para drama: o conto cômico Uma Vida Toda Empatada e o conto fantástico A Pereira da Tia Miséria. No caso de A Pereira da Tia Miséria a guionista tem o pretexto de que o final do conto precisava duma cena provavelmente demasiado grande que a produção no podia fazer; mas no caso de Uma Vida Toda Empatada a guionista simplesmente não é capaz de adaptar o humor cínico do conto e termina por trocar boa comédia por mau drama.

Outro culpável, mas com distinta consideração, é Pedro Marta Santos. Nos dramas O Rapaz do Tambor e A Abóbada acerta acrescentando cenas dramáticas; na intriga de O Tesouro, acerta acrescentando uma camada de intriga; mas na comédia A Morte do Super-Homem não acerta com as cenas acrescentadas. Muita da graça desta comédia está nas brincadeiras da narração de Rui Zink, brincadeiras que inevitavelmente perdem-se ao trocar as palavras por imagens; Santos não consegue acrescentar comédia para compensar as perdas.

A pior adaptação é a de As Cinzas da Mãe. Patrícia Müller, que trabalhando em equipa com os realizadores consegue fazer boas adaptações de Miss Beijo e O Sítio da Mulher Morta, trabalhando em solitário estraga completamente a história original. A ideia mesma de dramatizar o terror condena esta adaptação ao fracasso.

Conclusões

  • Quando a história é insuficiente para atingir a duração desejada, muitos guionistas têm a tendência de insuflar os minutos do filme com mais cenas dramáticas.
  • Se a história não é um drama, acrescentar cenas dramáticas faz que resultado seja pior.
  • Se o guionista não é capaz de acrescentar cenas cômicas, é um erro adaptar histórias cômicas demasiado curtas.
  • Há histórias que só funcionam em formato breve, e é impossível alarga-las sem estraga-las.
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